quinta-feira, 7 de abril de 2022

O Partido Comunista Português e a invasão da Ucrânia

O PCP continua alegremente na senda do apoio objetivo a Vladimir Putin, ao votar contra o convite a V. Zelenski para falar no parlamento português e na argumentação com que alertou para “manipulação” e pede investigação rigorosa sobre as mortes de civis na cidade de Bucha.

É verdade que a retórica do PCP se coloca numa hipotética neutralidade entre ambos os lados do conflito, mas esquecer que um dos países (sem dúvida o mais forte) é o invasor e o outro (o mais fraco) é o invadido e pô-los em pé de igualdade só porque os EUA, a NATO e a UE dão a este último um apoio parcial e limitado, é claramente um sofisma.

A continuada insistência nas teses sobre os nazis ucranianos e sobre a falta de provas acerca dos crimes de guerra russos, quando é evidente a falta de apoio aos primeiros por parte dos eleitores ucranianos e quando a deliberada destruição de alvos civis por parte dos russos se encontra mais que demonstrada, tanto na Ucrânia como na Síria (que curiosamente não é diretamente mencionada no comunicado de imprensa do PCP), é uma técnica antiga de distorção deliberada dos factos.

Ao defender estas posições, o PCP mantém-se próximo do Partido Comunista da Federação Russa, que apoia a intervenção militar russa no Donbass: 

"A Rússia está-se finalmente a afastar da idolatria perniciosa do Ocidente…. É hora de mostrar o nosso caráter no Donbass. Estamos rodeados por uma cadeia de Estados hostis. É impossível recuar mais. O Ocidente deve sentir a determinação da Rússia em defender a si mesmo e seus amigos. (...)

Estamos prontos para apoiar as medidas decisivas do governo para proteger a segurança da Rússia e dos nossos concidadãos nas Repúblicas Populares da região de Donbass." [Artigo de opinião de Gennady Zyuganov, atual líder do PC da FR de 4 de fevereiro de 2022 [Peoples World].

A 5 de abril, o mesmo G. Zyuganov defendeu na reunião plenária da Duma que a Ucrânia "deve ser libertada do nazismo e dos banderistas", apelidando de histórica a decisão de Putin de iniciar a invasão:

“Todos entendem que a Ucrânia deve ser libertada do nazismo e dos banderistas. Todos estão cientes de que a decisão do Presidente da Federação Russa de iniciar a operação visando a desmilitarização e desnazificação da Ucrânia é histórica. Mas todos entendem que se pararmos e os nazistas ainda detiverem o poder, a situação será ainda pior” [Página da Duma].

Ao recusar de facto o direito dos ucranianos se armarem e defenderem da agressão, o PCP afasta-se das teses de Lenine sobre o respeito pelas nacionalidades e aproxima-se da visão imperial de Estaline, posições abertamente partilhadas por Putin [ver Lipman, Masha. 2014. "Putin Disses Lenin". The New Yorker, 3 de Setembro de 2014. https://www.newyorker.com/news/news-desk/putin-disses-lenin].

No seguimento das Teses sobre a Questão Nacional, que escrevera em 1913, Lenine deixou bem claro em 1917 que:

"nenhum democrata pode negar o direito da Ucrânia de se separar livremente da Rússia. Somente o reconhecimento irrestrito desse direito permite defender uma união livre dos ucranianos e dos russos, uma associação voluntária dos dois povos em um Estado. Só o reconhecimento incondicional deste direito pode realmente romper completa e irrevogavelmente com o maldito passado czarista, quando tudo foi feito para provocar um distanciamento mútuo dos dois povos tão próximos um do outro em língua, território, caráter e história. O maldito tsarismo fez dos russos carrascos do povo ucraniano e fomentou neles o ódio por aqueles que até proibiam as crianças ucranianas de falar e estudar em sua língua natal." [Publicado pela primeira vez no Pravda nº 82, 28 (15) de junho de 1917. Publicado de acordo com o texto do Pravda. Marxists Internet Archive.]

Já há muito tempo que o PCP parece ter sacrificado uma visão crítica da realidade internacional em favor de uma concentração de esforços na realidade nacional. Mas se tal podia fazer algum sentido quando ainda existia a ditadura em Portugal e a Rússia era a URSS, a presente colagem ao PC da Federação Russa surge como um mero reflexo atávico e irracional.

Tudo indica, contrariamente ao vaticinado por vários comentadores, que o PCP não vai morrer soterrado pela pirâmide etária. Por este caminho vai-se tristemente afogar nas águas paradas da estupidez. E é pena. O saudável equilíbrio de forças da democracia ficará certamente a perder.