Durante grande parte do século XX os homens de ciência encetaram uma busca incansável na tentativa de descobrir a cura da esquizofrenia e da doença maníaco-depressiva, doenças estas que assolavam as sociedades humanas há vários séculos e condenavam os pobres coitados aos manicómios que serviam de depósitos humanos de loucos e loucuras. Isto fez com que também o século XX fosse extremamente rico em experimentação no âmbito da psiquiatria. E as histórias multiplicam-se. Esta, hoje, fala-nos sobre a ideia de curar uma doença com outra doença, que é como quem diz, virar o feitiço contra o feiticeiro.
Tudo começa com uma observação inquietante. Durante o seu internato num manicómio, em 1883, Julius Wagner-Jauregg (1857-1940) observa que um doente psicótico que tinha contraído uma infecção por estreptococos tivera uma remissão da sua psicose. Isto deixou-o com a «pulga atrás da orelha» sobre esta misteriosa relação entre a febre e a loucura que, note-se, já há muito tempo vinha sendo estudada. Em 1887 Wagner publica um artigo onde especulava sobre a possibilidade de tratar a psicose através da febre. E mais. Mencionava a neurossífilis (o grande fantasma da classe média do século XIX) como passível desse tratamento. Ainda nesse artigo sugere uma metodologia: inocular os doentes psicóticos com sangue de doentes com malária. E a partir daqui a estória vai tornando-se cada vez mais interessante. É que em 1890 o microbiologista Robert Koch tinha desenvolvido uma vacina contra a tuberculose – a tuberculina. Wagner aproveitou a ideia e fartou-se de inocular a tuberculina em vários doentes cujos sintomas de psicose eram causados pela neurossífilis. O objectivo era simples: causar febre. A ideia subjacente era que a febre impedia o progresso da neurossífilis, tendo como argumento que as espiroquetas da sífilis eram sensíveis ao calor. Na prática, as remissões dos sintomas aconteciam mesmo. Mas, e há sempre um mas, em 1909 Wagner acabava por deixar de usar a tuberculina por esta ter sido considerada tóxica. A ideia inicial é então retomada. Em 1917 Wagner inoculou um doente psicótico com sangue de um soldado regressado da guerra infectado com malária. Os resultados foram surpreendentes. Em 1918 faz a sua primeira comunicação sobre a malarioterapia, descrevendo os efeitos da cura num total de nove doentes. Foi um momento histórico. Mais do que uma tentativa de cura, esta terapêutica arrasava completamente o niilismo terapêutico enquistado na psiquiatria de ontem. E em 1927, Wagner-Jauregg acabava mesmo por receber o prémio Nobel da Medicina.
Em Portugal, a Casa de Saúde do Telhal apareceu na vanguarda dos institutos psiquiátricos que usaram a malarioterapia no tratamento dos paralíticos gerais. O método usado era absolutamente extraordinário. Em vez de sangue contaminado, usavam mosquitos infectados. Pediam então mosquitos infectados às estações sezonáticas. Estas enviavam-nos dentro de cilindros de papelão com as duas bases fechadas com gaze. Colocavam-se depois esses cilindros entre as coxas dos doentes de forma a ficarem em contacto com a gaze. Os mosquitos picavam imediatamente e dias depois apareciam com febres palustres de várias formas. E depois de um certo número de acessos febris, procedia-se à aplicação do quinino, para tratar o paludismo.
E depois, pronto, veio a Idade do Prozac, um tempo em que os cientistas sintetizam novas moléculas e as transformam naqueles comprimidinhos que gostamos de acreditar serem milagrosos. Todo o resto, é história.