terça-feira, 28 de novembro de 2006

NA CAIXA DO CORREIO: GRANDES PORTUGUESES

A GRANDE FEMINISTA
Adelaide Cabete marcou profundamente o lançamento do século XX português. Natural de Elvas, passou a infância e a primeira juventude a trabalhar na ameixa e a servir em casas ricas, onde aproveitou para aprender, sozinha, os rudimentos da escrita e da leitura. Só fez o exame da quarta classe aos 22 anos, já casada e empenhada na causa feminista e republicana. Acabou por vir para Lisboa e entrar em Medicina, contando-se, a propósito da sua dedicação extrema ao estudo, que memorizava as minudências da Anatomia com o livro encostado ao balde, enquanto lavava o chão. Tornou-se ginecologiata, abriu um consultório na Baixa, e entrou para a maçonaria. Como se todas estas opções pioneiras não lhe bastassem, foi também militante de campanhas anti-alcoólicas, abolicionistas, pacifistas, incluindo a denúncia de brinquedos bélicos, e ainda de defesa dos animais, incluindo o protesto contra as touradas. Mais se revelou excelente e prolixa oradora, e deu largas às suas capacidades organizativas e de liderança durante os mais de vinte anos em que foi presidente do Conselho Nacional das Mulheres. Está bem, não gostava de saias curtas. Não se lhe conhece mais nenhuma incoeencia.
Quem é que se lembra dela?
Aparentemente, milhares de pessoas. A grande feminista é uma das figuras da frente na votação para Os Grandes Portugueses. É um daqueles casos felizes, não tão frequentes como isso, em que todo o país está de parabéns.




DE MATERIALISTA A SANTO
Outro personagem que se mantém empedernidamente à frente da lista de Os Grandes Portugueses é o inefável Dr. Sousa Martins. Esse mesmo, o médico que, depois de morto, foi feito santo pelos doentes. Aquele que tem a estátua permanentemente ornamentada por flores frescas e velas acesas, num pedestal onde tanta gente vem ajoelhar-se e rezar. O cemitério de Alhandra, onde se encontra o seu jazigo, enche-se em cada dia 7 de Março e 18 de Agosto, as efemérides do seu nascimento e morte, com milhares de devotos adoradores. E, pelos vistos, a fé é tão forte, tão intensa, que o mantem à frente de uma corrida que também é disputada por Camões ou Egas Moniz. Porque de certeza que é no santinho, e não no cientista, que as pessoas estão a votar.
José Tomás de Sousa Martins pertence à geração heroica dos médicos e farmacêuticos que exerceram no final do século XIX e se dedicaram à luta contra a tuberculose, então um terrível flagelo dos pobres, e incurável antes da introdução da penicilina. Ficou ele próprio tuberculoso em Agosto de 1897, e suicidou-se logo a seguir, porque “nao se queria ver derrotado pela doença que tinha combatido constantemente durante a sua vida”, como costuma constar das biografias. O que é docemente irónico na sua transmutação em santo é o facto de, à semelhança do seu colega e amigo Miguel Bombarda, Sousa Martins ter abraçado o materialismo e abandonado toda a religião adquirida. Mas o povo é que manda. E o povo vota no santo.