terça-feira, 28 de fevereiro de 2006

LER: A arte da ciência, ou a ciência na arte

De Humanis Corporis Fabrica (1543), de Andreas Vesalius

«(...) o que se encontra neste livro não é já, simplesmente, o estudo duma região anatómica, como haviam feito Dürer, Miguel Ângelo e, sobretudo, Leonardo da Vinci. É a globalidade da arquitectura do corpo humano ligado à vida quotidiana. Nada até aí atingira a nobreza e a precisão daquelas estampas. Aquele esqueleto, por exemplo, de pé, de perfil, um tanto curvado, que se apoia negligente numa espécie de grande mesa colocada à direita do desenho. Ergue-se sobre o fundo de paisagem em miniatura, essa amálgama de palácios, de ruínas, de colinas salpicadas de ávores anãs, que balizava as perspectivas renascentistas. O que dá a cada um dos ossos relevo e nitidez é uma luz, bastante suave, que dimana do alto, à direita, de forma que a sombra se esboça por detrás do crânio e das vértebras. O esqueleto tem uma postura um tudo-nada mole, como se o artista tivesse querido dar uma impressão de indolência e de recolhimento. Indolência, devido à posição ligeiramente desengonçada: o peso do esqueleto recai sobre a perna direita, que se mantém estendida, enquanto o joelho esquerdo se flecte apenas o suficiente para dar às tíbias a possibilidade de se cruzarem, pé esquerdo somente apoiado na ponta. Mas impressão de recolhimento também, porque o braço esquerdo, de cotovelo na mesa, se dobra em ângulo agudo, de forma que a cabeça se apoia nas costas da mão, na atitude do pensador. Mas o que atrai a atenção e dá intensidade à gravura é a face voltada para um outro crânio, que a mão direita segura sobre a mesa. Bem abertas, as órbitas do esqueleto parecem perscrutar essoutra face. Como se o homem se quisesse estudar a si mesmo. (...)»
(Fançois Jacob, in O Jogo dos Possíveis - Ensaio sobre a diversidade do mundo vivo, 1981)

terça-feira, 14 de fevereiro de 2006

CONTEÚDOS: Apelo à colaboração na Wikipédia


Quem tenha seguido os últimos posts deste blog, certamente reparou que afixei aqui alguma da colaboração enviada para a Wikipédia lusófona. Este post é um apelo para que outros investigadores colaborem neste projecto de enciclopédia livre e aberta.
A Internet em geral e a Wikipédia em particular tornou-se um repositório de informação utilizado sistematicamente como referência por alunos de pré-graduação de todas as universidades. Essa utilização é frequentemente feita de forma acrítica e sem critério. Ignorá-la é um erro. Encará-la apenas de forma negativa continua a ser um erro.

Alguma história recente

A dimensão da importância da Wikipédia levou alguns professores a utilizá-la no processo de aprendizagem. O resultado de uma dessas experiências foi descrita no post "Whither Wiki?", afixado pelo historiador T. Mills Kelly no edwired em 14 de Dezembro do ano passado[1]. Um ponto alto da atenção prestada à Wikipédia teve lugar precisamente no mesmo dia do post anterior, quando a revista Nature publicou um artigo de Jim Giles, "Internet encyclopaedias go head to head", descrevendo os resultados (algo surpreendentes) de um estudo comparativo com a Encyclopedia Britannica[2]. Entre outros pontos destacados no artigo de Giles, conta-se o apelo dos organizadores da Wikipédia aos cientistas, para melhorarem o conteúdo da enciclopédia livre. No âmbito da história da ciência, este apelo não deixou de dar os seus frutos. A 15 de Janeiro de 2006, o utilizador Ragesoss (Sage Ross, um estudante de pós-graduação do Programa de História da Medicina e da Ciência da Yale University) iniciou o WikiProject History of Science com a finalidade de melhorar o conteúdo em história da ciência da Wikipédia[3]. Este projecto, que conta neste momento com mais de duas dezenas e meia de colaboradores inscritos, veio dar novo fôlego ao History of Science Portal, iniciado em 27 de Março de 2005 pelo utilizador Ancheta Wis[4].

Argumentos

Vou só resumir algumas observações que me parecem pertinentes:

  1. Sobre o conteúdo. O conteúdo da Wikipédia depende dos colaboradores. Dadas as suas características (os contributos podem ser livremente modificados e só são assinados no log do histórico das revisões), é compreensível que os investigadores não se sintam atraídos a escrever artigos de propósito para a Wikipédia. Contudo, nada os impede de adaptar e resumir textos anteriormente publicados, em papel ou na Net. Se os textos são da nossa autoria, somos livres de os editar para a publicação na Wikipédia. O log do histórico e uma citação da nossa fonte na bibliografia e/ou nos links do artigo é o bastante para defender a autoria (não a propriedade) intelectual. É um esforço mínimo, com largos resultados.
  2. Para além do conteúdo. A participação no projecto da Wikipédia é (para todos, incluindo nós próprios) não só uma experiência de conhecimento e de comunicação, mas também de cidadania, de respeito pelos outros, de tolerância, de empenhamento e de colaboração num contexto inter-(cultural e nacional), que vale por si só como uma importante ferramenta de ensino e de formação. O envolvimento, activo e acompanhado, de alunos de pré e pós-graduação neste projecto pode constituir uma importante acção formativa. Aquilo que poderia parecer um ponto fraco do projecto (a livre edição) torna-se aqui um ponto forte. A correcção de artigos existentes e a redacção de novos artigos, a sua discussão com professores e orientadores e a subsequente reedição na Wikipédia, são tarefas formativas dinâmicas, onde o estudante sente que está a fazer algo útil, produtivo, sujeito ao escrutínio público e com consequências.
  3. A experiência. A metodologia (e a tecnologia) subjacente à Wikipédia pode ser aplicada a outros projectos. Estou a pensar concretamente na sua aplicação em contextos temáticos e com grupos de autores mais restritos: Uma enciclopédia temática redigida por um grupo de colaboração composto por especialistas numa dada área, em que só entram novos membros através do convite de um ou mais dos participantes. Uma experiência dinâmica de produção e validação de conhecimento através de um processo permanente de revisão e crítica entre pares.
Ferramentas apoio

Para dar corpo a este apelo, decidimos seguir o exemplo de Ancheta Wis e Sage Ross e pôr de pé duas infraestruturas de colaboração no âmbito da história da ciência na Wikipédia lusófona: o Portal de História da ciência e o WikiProjecto de História da ciência. A primeira serve para organizar e dar alguma orientação para a consulta dos artigos sobre história da ciência, da medicina e da tecnologia. A segunda, o WikiProjecto de História da ciência visa criar e melhorar o conteúdo relacionado com a história da ciência (considerada com um significado amplo, onde também se incluem a história da medicina, a história da tecnologia, a história da matemática e os aspectos históricos da filosofia da ciência). Este projecto também procura assegurar a manutenção do Portal de História da ciência e melhorar a classificação e categorização dos artigos com ele relacionados. A página do projecto inclui várias ideias (passíveis de serem melhoradas) sobre o que pode ser feito.

A lista de participantes do projecto ainda só tem um nome (adivinhem qual), mas este apelo visa precisamente aumentar o seu número. Se pretender colaborar, registe-se na Wikipédia e junte o seu nome à lista de participantes na página do projecto. Não deixe igualmente de participar na sua página de discussão. Claro, que também pode dar a sua colaboração para a Wikipédia sem participar directamente no WikiProjecto.

Mesmo que não queira participar ou colaborar de alguma forma, esperamos que este apelo tenha servido para o sensibilizar para a necessidade de dar alguma atenção à Wikipédia.

Notas

[1] T. Mills Kelly. "Whither Wiki?". edwired. A website devoted to the teaching and learning of history online. Posted 14 Dez. 2005. http://chnm.gmu.edu/history/faculty/kelly/blogs/edwired/archives/2005/12/whither_wiki.html
[2] Jim Giles. "Internet encyclopaedias go head to head". Nature. Publ. online 14 Dez. 2005. http://www.nature.com/news/2005/051212/full/438900a.html
[3] WikiProject History of Science. Wikipedia. English version. http://en.wikipedia.org/wiki/Wikipedia:WikiProject_History_of_Science
[4] Portal:History of science. Wikipedia. English version. http://en.wikipedia.org/wiki/Portal:History_of_science
[5] Portal de História da ciência. Wikipédia, a enciclopédia livre. http://pt.wikipedia.org/wiki/Portal:Hist%C3%B3ria_da_ci%C3%AAncia
[6] WikiProjecto de História da ciência. Wikipédia, a enciclopédia livre. http://pt.wikipedia.org/wiki/Wikipedia:Projetos/Hist%C3%B3ria_da_ci%C3%AAncia

domingo, 12 de fevereiro de 2006

LER: History of Science disponibiliza artigos em PDF


History of Science (HS) é uma publicação da Science History Publications, Ltd. dedicada à história da ciência, da medicina e da tecnologia. HS permite agora que os seus volumes, e respectivos artigos, publicados entre 1998 e 2002 estejam disponíveis em versão PDF para poderem ser descarregados integralmente. São mais de oitenta artigos sobre diferentes temas da história da ciência. Disponível aqui.

terça-feira, 7 de fevereiro de 2006

CONTEÚDOS: Joaquim dos Santos e Silva (1842-1906)

Joaquim dos Santos e Silva
  • Um contributo para a Wikipédia, a enciclopédia livre.

Joaquim dos Santos e Silva (1842-1906). Fonte: Rev. Quím. Pura Apl. 2(1906)117.
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Joaquim dos Santos e Silva (1842-1906). Fonte: Rev. Quím. Pura Apl. 2(1906)117.

Joaquim dos Santos e Silva (1842-1906). Farmacêutico, químico-analista e toxicologista português do Século XIX


Biografia

Farmacêutico pela Universidade de Coimbra. Em 1864, quando ainda era estudante, foi convidado para ajudante dos trabalhos práticos do Laboratório Químico da mesma Universidade. Nos anos lectivos de 1871/72 e 1872/73, foi autorizado a estudar na Alemanha, para se habilitar a dirigir os trabalhos práticos do Laboratório Químico. Estudou primeiro em Göttingen. Depois, terminou os seus estudos trabalhando no laboratório de Kekulé, em Bonn. Aqui obteve o ácido monobromo-canfo-carbónico e os seus sais de bário e prata, sobre os quais publicou uma memória no jornal da Sociedade Química de Berlim. No regresso, em 1873, foi-lhe atribuída a direcção dos trabalhos práticos no laboratório da Universidade de Coimbra. Aí, publicou os Elementos de análise química qualitativa (Coimbra, 1874; reed. 1884) e procedeu a inúmeras análises químicas de águas minerais. Dedicou-se igualmente à química toxicológica, colaborando na realização de análises toxicológicas ou químico-legais ordenadas pelos tribunais da Comarca de Coimbra, entre 1878 e 1899. Em 1892 participou, pelo lado da defesa, na polémica médico-legal do célebre caso de Urbino de Freitas, contra os pareceres do grupo de peritos onde participou António Joaquim Ferreira da Silva. Em 1899 foi nomeado químico analista do Conselho Médico-legal de Coimbra. Em 1902 foi nomeado professor de química legal e sanitária na Escola de Farmácia de Coimbra. Faleceu em 1906.

Bibliografia

  • Anónimo. "Necrologia. Joaquim dos Santos Silva", Jornal da Sociedade Farmacêutica Lusitana. 13,2(1906)58-60;
  • J. Ferreira da Silva. "Joaquim dos Santos e Silva", Revista de Química Pura e Aplicada. 2(1906)117-120.

quinta-feira, 2 de fevereiro de 2006

LER: Ordens Religiosas em Portugal - Guia Histórico


Acaba de ser publicado pela Livros Horizonte o livro Ordens Religiosas em Portugal: das origens a Trento - Guia Histórico, sob a direcção do Prof. Bernardo Vasconcelos e Sousa e autoria de Isabel Castro Pina, Maria Filomena Andrade e Maria Leonor Ferraz de Oliveira Silva Santos. Esta obra é uma publicação do Centro de Estudos de História Religiosa da Universidade Católica Portuguesa onde decorre um projecto com a mesma designação e que procura conhecer as etapas de implementação e de desenvolvimento das Ordens Religiosas em Portugal desde as origens ao final do século XVI. Este Guia Histórico disponibiliza notícias históricas sobre todas as Ordens Religiosas medievais que actuaram em Portugal no período referido anteriormente e sobre os 450 conventos e mosteiros por elas fundados nos continentes e ilhas; cartografia da localização dos conventos e mosteiros; indicação das fontes documentais já publicadas; localização das fontes manuscritas disponíveis no Instituto dos Arquivos Nacionais / Torre do Tombo, nos Arquivos Distritais, na Biblioteca Nacional e em outros arquivos do país, com a indicação sumária da sua dimensão e conteúdo; bibliografia actualizada sobre as Ordens e os conventos e mosteiros referidos, incluindo dissertações académicas mais recentes; e, informação sumária sobre o estado actual dos conventos e mosteiros. Tem o preço de 38 Euros.

Na perspectiva da História das Ciências, a interacção entre a religião e a medicina durante a Antiguidade e a Idade Média permite-nos compreender melhor a razão pela qual a prestação de cuidados médicos constituiram um aspecto central na vida das Ordens Religiosas. Não obstante o facto de os hospitais e do ensino médico se ter processado a partir das estruturas da Igreja, o que demonstra que o pensamento religioso teve um papel estruturante na história das ciências da saúde em Portugal. A título de exemplo, veja-se o trabalho da Ordem Hospitaleira de S. João de Deus que depois do martírio do Santo que lhe dá o nome, se implementa em Portugal entre 1606 e 1834, altura em que se dá a extinção das Ordens Religiosas. Vocacionada para a prestação de cuidados médicos a doentes mentais e crianças, a Ordem Hospitaleira de S. João de Deus regressa a Portugal em 1890, cumprindo a sua missão no Hospício de S. Marta em Lisboa e no Asilo de crianças doentes em Aldeia da Ponte. Mais tarde, o Beato Bento Menni funda a Casa de Saúde do Telhal para tratamento somente de homens afectados de doenças mentais, dirigida e servida pelos Irmãos Hospitaleiros de S. João de Deus. E aí a evolução dos cuidados médicos prestados aos doentes tornou-se paradigmática do papel das Ordens Religiosas na história das ciências da saúde em Portugal. Claro está, a título de exemplo.
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«Consciente da importância que as ordens religiosas tiveram nos mais variados aspectos da história medieval de Portugal, não posso deixar de me regozijar pela publicação deste Guia. Estou firmemente convencido que prestará serviços inestimáveis tanto a historiadores como a investigadores interessados na conservação do património e no estudo da história local. Trata-se de um Guia que reúne informações de base com indicações do que o leitor, desejoso de saber mais, precisa de ter em conta para avançar com segurança nas suas pesquisas. Também estou em condições privilegiadas para poder recomendar uma obra cujos méritos sei apreciar com objectividade, porque conheço as numerosas dificuldades que os seus autores tiveram de vencer e posso garantir as suas qualidades de rigor e de crítica, no trabalho que têm vindo a desenvolver.» (José Mattoso)