domingo, 28 de janeiro de 2007

ENTREVISTA: Carlos Pimenta

CARLOS PIMENTA
Como quem não baixa os braços

Então vamos lá ver, por que é que o mar da Costa da Caparica decidiu este ano dar cabo da praia? Por que é que desmoronam as falésias no Algarve? O que é que julgam que vai acontecer a prazo na Ria de Aveiro? Alguma vez se questionaram sobre o que vos obriga realmente a passarem tanto tempo no trânsito? Têm a certeza de que escolheram bem o vosso automóvel particular? Pensavam que ter ar condicionado em casa só era mau por causa da factura da electricidade? Têm a certeza de que deveriam mesmo ser os camiões a pejar-nos as autoestradas de cortejos de mercadorias, se ali mesmo ao lado passa uma linha de comboio? O que é que vos impede de comprarem lâmpadas amigas do ambiente de cada vez que vão ao Aki? Já tomaram consciência de que o aquecimento global é mesmo um problema real e terrível, a dois passos de se tornar irreparável? Se tudo isto já se sabe desde 1991, por que é que terá levado tanto tempo a calar-nos fundo na consciência? Pode não parecer à primeira vista, mas todas estas questões estão intrinsecamente ligadas. Em Portugal, um homem que batalha constantemente na cena internacional pela devolução às sociedades humanas de um planeta feliz e habitável sabe orientar-nos no mapa da nossa própria degradação melhor que qualquer outro: Carlos Pimenta, 51 anos, três filhos, formado em Engenharia Electrotécnica e munido de Pós-Graduaçoes em Informática feitas na Suíça, em França e na Bélgica, fala-nos com a energia contagiante de quem não baixa os braços e demonstra-nos por a mais b que, se o drama da Caparica não existisse, isso significaria que estávamos todos a viver melhor. É com um conhecimento de causa enciclopédica que nos explica porquê.

À hora marcada em ponto, nem mais nem menos um minuto, aparece à porta da sala com o seu tradicional sorriso de miúdo, rasgado de orelha a orelha. Aqui, no meio de computadores topo da gama e informação ambiental de todo o mundo nas paredes, que ninguém pense sequer em fumar. Quando está em Lisboa, é neste quarto andar das Avenidas Novas que está o grosso do investimento do Carlos: no Centro de Estudos de Economia, Energia, Transportes e Ambiente, uma Organização Não-Governamental com cerca de vinte anos e cerca de vinte pessoas a trabalhar aqui, quase todas oriundas da Universidade Nova de Lisboa, unidas pela primeira vez nos anos 80 quando foi preciso lutar contra a entrada da energia nuclear em Portugal. Agora, militam pela promoção dos recursos renováveis e da eficiência energética. Como do costume, o Carlos passa por aqui, assoberbado de coisas importantes para fazer, dessas coisas das quais vai depender inteiramente o futuro dos nossos filhos.
Estou com projectos a mais em relação àquilo que posso fazer, comenta ele.

Quando falas de energias renováveis que toda a gente em Portugal pode usar se quiser, estás a pensar exactamente em quê?

Em coisas tão simples como instalar em casas paredes que absorvem o calor durante o dia e o libertam à noite, ou em forros de cortiça. Ou no biogaz dos aterros sanitários, ou nos sitemas fotovoltaicos. Nas condutas de água de rega podem instalar-se micro-turbinas dentro dos canos. É ridículo, o que nós não fazemos. Desperdiçamos tudo, até a energia solar, até a matéria orgânica que, à falta de outra iniciativa, é atirada para as ribeiras em quantidades gigantescas, e ainda tem o problema de poluir a água. Temos complexo de país rico, e ainda por cima nenhum país rico faz isto – e, por isso mesmo, é que é rico.

Isso implicaria vontade política e organização nacional. Mas nós, individualmente, podemos contribuir de alguma forma para que se poupe mais energia em Portugal?

Claro que pudemos! Sessenta por cento da electricidade consumida no país é desperdiçada nos edifícios. Uma casa de habituação não precisa de ter ar condicionado. Se estiver bem isolada, não precisa mesmo. Sabes que cinquenta por cento da energia que se consome se perde através do telhado? Basta um bom isolamento do telhado, que até podemos fazer por nós próprios com rolhas usadas, e isso acaba-se. Depois é importante instalar janelas de vidro duplo com vácuo no meio. Digo-te uma coisa: este escritório não tem aquecimento nem ventilação. E estamos bem, não estamos? Além disso, podemos sempre instalar paineis solares para o aquecimento da água, com a quantidade de horas de sol que cá temos: fazes um investimento inicial de 3500 a 5000 Euros, que podes pagar em sete anos, o teu duche passa a ser de graça e reduzes substancialmente as despesas para a aquecer a água nas máquinas. E isto dura-te vinte ou 25 anos. Estás a ver, nem precisas de querer salvar o planeta para fazeres estas opções: basta-te quereres reduzir as tuas despesas energéticas.

Todas essas iniciativas precisam de ter benefícios fiscais para atraírem verdadeiramente as pessoas.

Pois claro, e nesse ponto a nossa legislação fiscal só mete água. Repara neste disparate. Compras uma casa. Queres isolá-la toda muito bem? Pagas 21% de IVA. Queres instalar uma boa caldeira de gaz natural? Pagas 12% de IVA. Continuas a gastar recursos e a contaminar o ambiente, e limitas-te a eleftrificar tudo? Pois bem, só pagas 5% de IVA! O melhor sistema de consumo é o mais penalizado. Faz algum sentido? Premeia-se a forma mais parva de aquecer ou refrescar a casa, que tem que ser queimada termicamente no Carregado ou tirada do carvão em Sines, depois perde 11% nas linhas eléctricas, perde ainda mais com os equipamentos de conversão da electricidade, e acaba por só ter 25 ou 20% da eficiência original. São grandes erros, que desmotivam as pessoas, claro.

Então fala-me de outras coisas simples que podemos fazer.

Podemos arrancar todas as lâmpadas convencionais, que só dão vinte por cento de luz e os restantes oitenta por cento são calor. E as de halogéneo ainda são piores. Em vez disso, instalamos lâmpadas económicas, daquelas fluorescentes pequeninas que há no Aki, no Jumbo, em qualquer grande superfície. Estas lâmpadas têm cinco vezes mais potência que as outras fontes de luz, e agora apareceram outras que nem sequer têm gasto de energia. Não é melhor para toda a gente?

Também já te ouvi falar dos frigoríficos.

Há frigoríficos em categorias que vão do A+ ao E, e hoje em dia a menção no rótulo é obrigatória. Os A+ fazem exactamente o mesmo que os outros, mas com muitissimo menos consumo energético. São ligeiramente mais caros, mas, com o tempo, até isso compensa.

E os plasmas? Ainda não pecebi se são bons ou maus.

Se não leres os papeis, ainda te arriscas a descobrir que tens em casa um bicho que te consome uma energia doida em cada hora que está ligado. Mas há outros que não consomem nada. E nós nunca devemos esquecer-nos de que vamos comprar o equipamento uma vez, mas a seguir vamos viver com ele durante anos e anos.

Também passamos pelo mesmo com os automóveis.

Podemos sempre comprar um Smart. Ou então um híbrido, que é a melhor solução. Arranca-se com o motor eléctrico, e basta um sinal vermelho para o motor se desligar. Um motor normal está sempre a funcionar, mas estes só funcionam quando é mesmo preciso. Também se desligam nas descidas. Mesmo que não estejas a querer evitar o aquecimento global, sentes os resultados na carteira. É de tal maneira que as grandes empresas que não quiseram saber dos híbridos, como a Ford ou a General Motors, hoje estão falidas; enquanto que a Toyota, que investiu nisto a fundo, é a marca com maiores vendas e tem toda a gente na lista de espera para comprar um híbrido.

Qual foi o truque?

Aquela gente percebeu antes dos outros que um condutor quer é ir de uma lado para o outro com rapidez e conforto. Coisa que nós, em Portugal, temos imensa dificuldade em conseguir. Já viste bem que engarrafado que está este país? Isso acontece porque as nossas necessidades são fundamentalmente de energia útil, mas a classe política responde ou com infra-estruturas ou com energia primária.

Podes dar um exemplo?

Então, andam a cobrir o país de auto-estradas todas paralelas umas às outras, em vez de darem prioridade ao comboio e ao metro, por exemplo. Já vamos em cinco auto-estradas paralelas e oitenta por cento são ao longo e todo o litoral, e estamos a falar numa faixa que não tem mais de cinquenta quilómetros de largura entre Setúbal e Braga. Vamos acabar por ter seis autoestradas paralelas entre Lisboa e Cascais. Hoje, tu chegas à Figueira da Foz por três autoestradas, a Aveiro por duas, à Guarda por outras duas... e não se investe no desenvolvimento do combio! Alguma coisa está muito mal no sistema se a forma mais rápida e cómoda de chegar de Lisboa ao Porto é o automóvel particular, incluindo as portagens. É um absurdo. A economia individual é a deseconomia do país. Se as pessoas tivessem metro no aeroporto, nas estações de comboio, a fazer ligações para as periferias, não precisavam de estar horas dentro dos autocarros no meio do trânsito. Muita gente, nestas circunstâncias, desiste dos transportes públicos e mete-se antes no seu próprio automóvel, que sempre está mais à vontade; e daí resulta este efeito patético de termos um país sobreindividado com a compra de automóveis. Mas repara, alguém chega ao aeroporto em Londres e gasta uma fortuna a meter-se num taxi que vai estar horas e horas num engarrafamento? Claro que não. Vai tudo para o centro de metro, porque a estação está logo ali. Entre nós, até as mercadorias são obrigadas a sair do aeroporto de carro! Pode ser. Sabes que temos mais camiões a transportar mercadorias nas nossas estradas do que os próprios Estados Unidos? É suicida. O nosso sistema de deslocações é suicida. Parece que os governos portugueses não conseguem gerir sistemas grandes e complexos. Deixam o caminho de ferro ao abandono a acumular centenas de milhões de Euros em dívidas, descuram os portos e aeroportos, e apresentam uma oferta péssima à população.

Também não temos comboio para atravessar a ponte Vasco da Gama, que já foi construída quando todas essas coisas estavam mais que estudadas.

Bem essa foi uma daquelas guerras que eu perdi e não posso perdoar a mim próprio. Fazer a ponte naquele sítio, antes de mais nada, implicou a destruição dos soberbos terrenos agrícolas do Montijo e de Alcochete. Foi dar carne do lombo à construção civil, enquanto que, no Barreiro, temos centenas de hectares contaminados mas que fazem parte de uma frente de rio magnífica, com uma vista linda para Lisboa. Ainda por cima, a Vasco da Gama, feita de raiz recentemente, não tem comboio; e, na 25 de Abril, só devia passar o metro. Não pode lá passar um TGV, por exemplo. Mas isso seria possível se se tivesse feito a tal ponte no Barreiro. Ficavam todas as linhas ligadas, aéreas e subterrâneas, o metro juntava-se ao comboio, desapareciam as barreiras físicas entre o Norte e o Sul, era perfeito para os nossos problemas de mobilidade. Além de que se poderia ter construído uma cidade fantástica, aberta para a margem, onde o terreno não sustenta agricultura, em vez de encher de caixotes de habitação os solos magníficos onde desagua a Vasco da Gama. Resultado: Portugal tem um dos PIBs mais baixos da União Europeia e está entre os cinco países com mais automóveis particulares por habitante! Isto, além de afectar a qualidade de vida das pessoas, encharca o ambiente em dióxido de Carbono. Sabes que Portugal está completamente em falta em relação aos acordos de Kyoto? Ninguém gosta de dizer isto, mas, em termos de impacto global do nosso comportamento pessoal, estamos a portar-nos tão mal como os americanos. O ar da Avenida da Liberdade, apesar do vento marítimo que vem da Serra de Sintra, é o mais poluído da Europa!

Então vamos já ao que aqui nos trouxe: tu achas que é por causa do aquecimento global que o nível do mar está a subir e a Caparica e o Algarve estão a desaparecer?

E isso também vai acontecer na Ria de Aveiro. Em relação à Caparica, que é neste momento o exemplo mais dramático deas consequências de má gestão humana da paisagem e do ambiente, nunca se deveria ter destruído o banco de areia que, até há cerca de trinta, quarenta anos, sempre ligou o Bugio à Cova do Vapor. Fazia-se aquele caminho todo a pé, lembras-te? Destruiu-se o equilíbrio das areias, que costumavam ser empurradas todos os anos para aquela zona. Por outro lado, a construção mesmo em cima das arrribas fez aumentar dramaticamente o nível de erosão. E, por cima de isto tudo, de facto, temos a subida global do nível do mar por causa de todo o gelo que está a derreter nos pólos, em consequência do aquecimento da atmosfera causada por acumulação de dióxido de Carbono libertado pela actividade humana.

Essa parte, claro, não afecta só a Caparica.

Todos sabemos que isto está hoje em curso em todo o planeta, e que está a ser terrivelmente rápido. Tu vais à Gronelândia e vês a linha de recessão de glaciares, e olha que não são centímetros, são metros e metros de gelo que desaparecem todos os anos. Os ursos polares, que não tinham quaisquer problemas de sobrevivência, estão hoje ameaçados de extinção porque as placas de gelo no Ártico estão a ficar tão finas que se partem quando eles tentam subir para cima delas – e, depois de horas e horas sem conseguirem pisar terra firme, morrem afogados. Se isto continuar a evoluir no mesmo sentido, se não fizermos nada, vamos ter consequências terríveis ainda dentro da nossa expectativa de vida, dentro de vinte ou 25 anos. E o que me desespera mais é que já desde 1991 que se sabe isto tudo! Nessa altura o Al Gore já tinha exactamente os mesmos slides que agora mostra no filme. A primeira reacção política internacional foi que não havia a certeza de que isto estava a ser causado pelo homem, depois que não se tinha a certeza que era do dióxido de Carbono, depois que não podiam por-se travões aos países em desenvolvimento como a Índia ou a China... É exasperante. Espero que, em Portugal, toda a gente tenha finalmente acordado com esta tragédia da nossa costa.

sábado, 27 de janeiro de 2007

ENTREVISTA: José Tito de Mendonça

JOSÉ TITO DE MENDONÇA
Como a energia das estrelas

Faz agora um mês que soubémos pelas notícias ter finalmente arrancado em França, perto de Aix-en-Provence, o grande projecto internacional e multidisciplinar de construção da primeira central de produção de energia através da fusão do átomo de Hidrogénio, considerada a mais limpa e poderosa de todas desde há décadas mas, até agora, ainda demasiado mal conhecida em termos técnicos para ter podido tornar-se realidade mais cedo. Neste projecto estão envolvidos vários especialistas portugueses, em número francamente superior ao da média de contribuição cientíca do país. À frente do grupo, destaca-se José Tito de Mendonça, 61 anos, três filhos, dois netos, Catedrático de Física do Instituto Superior Técnico e engenheiro electrotécnico de formação. É um homem calmo, discreto, que não gosta de cargos administrativos, desconfia de ministérios, viaja constantemente pelo globo a estudar e desenvolver as suas ideias e está seriamente apaixonado pelo que faz. Só de ouvi-lo falar, percebe-se que deve ser um grande privilégio poder assistir às suas aulas. Sentimo-nos directamente tocados pela energia das estrelas.

O Laboratório de Lasers Intensos do Centro de Física dos Plasmas é um labirinto estranho de espelhos de ouro, turbinas imponentes, tubos metálicos, e feixes verdes ou vermelhos que parecem saídos directamente de um filme de ficço científica. É aqui que está guardado, escrupulosamente protegido do pó, o sistema laser mais potente de todo o Sul da Europa. O foco L21 é a zona mais brilhante de todo o país, capaz de condensar toda a energia solar que se derrama sobre Portugal na área equivalente a um chapéu de sol, e criando assim em laboratório condições físicas que, na natureza, só existem dentro de supernovas ou no centro dos maiores planetas. Um impulso destes lasers chega a ser um bilião de vezes mais rápido que um flash fotográfico. Saem daqui impulsos luminosos mil vezes superiores ao total da potência eléctrcica consumida em todo o mundo. Para andarmos por ali, temos que nos revestir de protecções iguais às que se usam nas salas de cirurgia. No meio das suas máquinas impressionantes, José Tito de Mendonça é, visivelmente, um homem feliz. Esta aqui, diz ele, custou o mesmo que o topo da gama dos Ferraris. Por isso mesmo, chamamos-lhe o Ferrari.

Há décadas que oiço dizer que a energia da fusão dos átomos de Hidrogénio é a melhor de todas. Mas porquê?

É, sem dúvida, uma energia mais forte e eficaz que as energias de cisão. E tem um número impressionante de vantagens. Primeiro, não produz resíduos radioactivos de longo tempo de vida. O grande problema das actuais centrais nucleares é a produção de resíduos radioactivos que mantêm a actividade durante dezenas de milhares de anos e nunca ninguém sabe onde se podem guardar, sendo que, ainda por cima, ao fim de vinte anos uma central destas tem que ser encerrada debaixo de toneladas de betão, e nunca é segura. Segundo, os grandes acidentes como o de Chernobyl ou de Three Mile Island nunca aconteceriam numa central de fusão, porque as quantidades de combustível que se usam aqui são sempre muito pequenas. Terceiro, um dos átomos usados na fusão, o Deutério, existe em grandes quantidades na água do mar, o que quer dizer que temos uma fonte quase inesgotável de combustível nuclear mesmo à mão de semear: o mar tem cerca de trinta gramas de Deutério por metro cúbico, e basta um grama para fazer funcionar uma central. É muito diferente do que se passa com o Urânio, que só existe em minas conhecidas e limitadas. E, a seguir, ainda tem que ser enriquecido, o que é um processo complicado.

Tecnicamente, qual é a grande diferença entre uma energia e outra?

Há duas maneiras de se extrair energia de um núcleo. Podemos recorrer à cisão e partir núcleos pesados em fragmentos, como acontece nos reactores nucleares, onde um áromo de Urânio partido em bocados liberta energia. Ou então podemos recorrer à fusão, em que pegamos em átomos leves, os mais leves de todos, como o Hidrogénio, os isótopos do Hidrogénio como o Deutério e o Trítio, ou o Hélio, e juntamos dois dos seus átomos. Este processo também liberta energia, e é uma energia bastante mais eficaz que a da cisão: é a que se cria na natureza no interior das estrelas. O Sol, por exemplo, liberta quantidades enormes de energia, e vem toda da fusão. É essa energia, aliás, que nos permite vermos tão bem as estrelas, porque elas aquecem a uma temperatura tão elevada que começam a libertar fotões. Os planetas mais pesados, como Júpiter e Saturno, não brilham: isto é porque no centro não têm densidade para os núcleos estarem suficientemente próximos para se fundirem e libertarem a energia da fusão.

Densidade?

Sim. É preciso uma densidade mínima para que haja reacções de fusão; ou que os núcleos tenham cargas suficientemente fortes para são serem repelidos por energia electroestática.

Mas, entretanto, o Tito já se meteu nesta outra pesquisa dos lasers.

Pois, porque existem dois caminhos para chegar à fusão. O primeiro é o do reactor que começou agora a ser construido em França. Neste caso, usa-se um gaz diluido mas muito quente, a cerca de cem milhões de graus centígrados. Para isto, usam-se máquinas de confinamento magnético. O gaz tem que ser confinado porque os átomos não podem tocar nas paredes dos recipientes. Este novo reactor fica num sítio magnífico para trabalhar e passar férias. Já há anos que lá vou. Cheguei a passar lá por temporadas de seis meses. O centro de investigação tem um refeitório com grandes paredes envidraçadas de onde se vêm as cabras montesas que vêem aos restos de comida, é delicioso.

E o que é que vai lá ser construído agora?

É uma espécie de grande donut oco, dentro do qual se vai produziu um plasma.

O que é um plasma?

É um gaz completamente inonizado.

Ou seja?

Bom, num gaz normal os átomos são neutros: os protões do núcleo equilibram-se com a carga dos electrões que ficam por fora. Mas, quando o gaz é muito aquecido, os electrões libertam-se do átomo, ficando os núcleos de um lado e os electrões por outro. Isso é um plasma. Exactamente como os dos écrans de plasma, ou mesmo os das lâmpadas fluorescentes. Só que este é muito mais quente. No caso do reactor de França, cria-se uma descarga lá dentro, e o plasma não toca nas paredes.

Então e qual é o segundo caminho, em que o Tito está a investir agora?

É usar uma bolinha de combustível comprimido mil vezes mais que a densidade do sólido. Aí, já não é preciso confinar: como o gaz é muito denso, podem produzir-se muitas reacções nucleares. Para comprimir o material nuclear usam-se cem feixes de laser muito intensos de distribuição concêntrica. Como não temos a certeza de como é que se superam todos os problemas até se chegar à fase da oferta de energia, é bom explorarem-se as duas vias ao mesmo tempo.

Esses dois caminhos alternativos têm nomes próprios?

O primeiro chama-se fusão por confinamento magnético, utilizando uma máquina que custa uns doze milhões de Euros (mais do que o aeroporto da Ota, por exemplo) e leva dez anos a ser construída. O segundo chama-se fusão laser, e não tem confinamento magnético. Só custa menos de mil milhar de Euros, para os quais estamos a pedir financiamento europeu, e tem grandes probabilidades de sucesso.

O Tito acabou por apostar no segundo.

É uma questão de poupar dinheiro e tempo. Em 1986, quando portugal aderiu à CEE, reuni com um grupo de pessoas aqui e lancei o programa de fusão português. Isto deu origem ao Centro de Fusão Nuclear, que estuda o confinamento magnetico e tem uma participação muito forte no projecto que arrancou agora em França. Depois abandonei o Centro e liguei-me aos lasers, em que também estão interessados países de fora da Europa. Se a nossa máquina, o Hiper, for aprovada, precisa de dois ou três anos de projecto e de cinco ou seis de construção. Ainda pode entrar em funcionamento antes da outra.

E é para ser construída aqui em Portugal?

Podia ser, mas o governo teria que dar contrapartidas muito fortes, que creio que não estão ao nosso alcance. Talvez fique em Inglaterra. Se isto passar nas várias etapas da análise de Bruxelas, o dinheiro não pode vir só de lá. Também terá que haver um investimento muito forte por país. Aqui não há dinheiro de privados, porque ainda não temos oferta.

Se é tudo tão bom, por que é que tem demorado tudo tanto tempo?

Porque there's no such thing as a free lunch1. Os combustíveis da fusão são extremamente difíceis de conceber. Somos consistentes: há trinta anos dissémos que em trinta anos teríamos um reactor de fusão, e hoje continuamos a dizer o mesmo.

Porquê?

É a característica dos plasmas. As partículas ionizadas têm interacções umas com as outras a grandes distâncias, e isso determina um comportamento extremamente complexo. Há muitas instabilidades que que destroem o funcionamento magnético, ou que dificultam a compressão. As nossas grandes dificuldades têm sido compreender e controlar essas instabilidades. Temos vindo a construir máquinas cada vez maiores, mas só agora é que estamos em condições de construir uma à escala de um reactor. E mesmo este reactor ainda é um protótipo experimental. Esta máquina ainda não vai oferecer energia: é um estudo, para daqui a mais vinte anos se poder construir um verdadeiro reactor. Depois de pronto, vai fornecer três ou quatro vezes mais energia que a nossa central térmica do Carregado. É a melhor energia de todas porque não produz dióxido de Carbono, não contribui para o aquecimento global, não degrada o ambiente... vale a pena, o problema é chegar lá.

Quem foi o primeiro iluminado a lembrar-se disto?

Nos anos 50, o Péron anunciou publicamente que a Argentina tinha aprendido a controlar a fusão nuclear e ia construir um reactor. Isto deve ter sido resultado da investigação de cientistas alemães ligados aos nazis, que fugiram para a Argentina no fim da Guerra. Isto estimulou o interesse da comunidade internacional, mas nessa altura toda a informação a este respeito era classificada, por causa das suas implicações militares. Os americanos construiram logo a máquina deles, o Sterelator, que seria uma estrela dentro de um 8 enorme. Nunca funcionou muito bem. No fim dos anos 50 houve uma conferência internacional em Genebra onde se decidiu desclassificar o conhecimento nesta área. Foi quando os russos anunciaram os resultados fantásticos de uma máquina muito mais eficaz, o Tokamak, que já tinha a forma do donut, como a que vai ser construída agora em França. Os senhores que a inventaram são dois laureados: o Shakarov, que ganhou o Nobel da Paz, e o Tamm, que ganhou o Nobel da Física. Hoje há duzentos cientistas da Europa a trabalhar na nova máquina.

E o Tito? Quando é que se virou para aqui?

Quando era estudante, fiquei fascinado com as aulas do Prof. Faro, que transmitia aos alunos um grande entusiasmo pela ciência, embora ele próprio não fizesse investigação. Fiquei sugestionado com a analogia entre os quatro elementos e os quatro estados da matéria. Podemos dizer que a Terra é o sólido (frio), a Água é o líquido (mais quente), o Ar é o gazoso (ainda mais quente) e o Fogo é o plasma (um gaz inonizado a temperaturas ainda maiores). Ou seja, temos uma progressão que vai do gelo à água, daqui ao vapor de água, e daqui ao plasma.

Nem sabia que o plasma também era um estado da matéria.

Então! O estado é o estado da matéria mais abbundante do Universo. Olhe, as estrelas são todas plasma, o vento solar é plasma, o espaço inter-estelar é plasma, o espaço inter-galáxico é plasma, na Terra formam-se plasmas naturais nos relâmpagos, nas auroras boreais e no fogo, os quasares têm um buraco no centro e tudo o resto é plasma... mesmo o centro da Terra deve estar no estado de plasma, para produzir as correntes de convecção que formam o campo magnético da Terra. Só as regiões mais frias é que se liquefazem, ou, por vezes, solidificam. Até os cometas, que são sólidos, têm uma cauda que, quando se aproxima do Sol, se ioniza e se transforma em plasma, Por isso é que brilha tanto. A quantidade de matéria do Universo que não é plasma é desprezível. No início, era tudo muito mais quente. Só com a expansão, muito depois do Big-Bang, é que o arrefecimento permitiu o aparecimento da matéria nos estados em que nós a conhecemos. A vida só foi possível depois de um arrefecimento muito grande.

Foram os Quatro Elementos que o trouxeram para a Física?

Sempre gostei da Fisica, de uma maneira geral. Não sei de onde é que isto veio, nasceu comigo, não tive nenhuma grande epifania, não havia casos prévios na família, e nenhum dos meus filhos é físico. Mas eu acho a Física maravilhosamente platónica. Substituimos a realidade por modelos que são imagens virtuais, mas essas imagens explicam a realidade de forma matemática. Pelo menos, temos a ilusão de percebermos a realidade. A gente faz contas, prova qualquer coisa, e ao fim de uns anos observamos isso mesmo, como quando o Halley previu pela primeira vez o regresso do cometa que tem o seu nome: esta é a grande beleza da ciência.

quarta-feira, 24 de janeiro de 2007

AGENDA: Biologia Molecular da Consciência

ANÚNCIO DE CONFERÊNCIA

John Bickle, University of Cincinnati

Título: “Who Says We Can’t Do a Molecular Biology of Consciousness?”

Data e hora: 29 de Janeiro de 2007, às 17h00

Local: Instituto de Filosofia da Linguagem – Faculdade de Ciências Sociais e Humanas – Universidade Nova de Lisboa

Morada: Avenida de Berna, 26-C, Lisboa

Na Sala de Reuniões no 7º piso do edifício principal

RESUMO da conferência:

Virtually every philosopher and cognitive scientist studying consciousness denies that molecular neurobiology will fully explain any of its features. Even physicalists seem to think that we’ll need the more “global” experimental tools and theoretical resources of cognitive and systems-level neuroscience to find the “neural correlates of consciousness.” However, some recent discoveries suggest otherwise. Here I survey in detail experimental results suggesting that agonistic activities at distinct subunits of GABAA receptor proteins are dissociable molecular mechanisms for conscious awareness, arousal state, and anxiety level. These experiments use genetically engineered mice with mutations at single amino acid residues of GABAA receptor subunits, subunit-selective and nonselective anesthetic and anxiolytic drugs, and a variety of behavioral tests commonly used to measure these features of conscious states in rodents. These results fit the “intervene cellularly/molecularly and track behaviorally” account of reduction-in-practice (reviewed briefly here) that I’ve developed in recent publications. The upshot is that “ruthless” psychoneural reductionism’s assault on consciousness has already begun. And a metascientific analysis of these experimental practices and results even calls into question arguments by Levine, Chalmers and other anti-reductionists about consciousness.

Esta conferência insere-se no ciclo «Lógica, Linguagem e Cognição». Mais informações em http://www.ifl.pt

Mais informações sobre John Bickle em http://www.artsci.uc.edu/philosophy/faculty/faculty.htm
e em http://neuroscience.uc.edu/faculty/alpha.cfm

Entrada livre. Todos são bem-vindos.

domingo, 21 de janeiro de 2007

LER: Erasmo, a Renascença e o Humanismo

Esta biografia de Erasmo de Roterdão, publicada por Ivan Lins em 1997 na Editora Civilização Brasileira, é, no mínimo, surpreendente. Mais do que a simples história do homem que nos deixou O Elogio da Loucura e provavelmente as melhores reflexões sobre a necessidade de reforma da Igreja católica, é a história de toda uma Europa em mudança, toda uma crise de valores que preside ao nascimento de uma nova religião, e de todo o pano de fundo que anima a organização do movimento humanista na Renascença que nos é contada, com grande riqueza de pormenor e um rigor factual infelizmente raro nas obras que se destinam à instrução de públicos mais alargados. Erasmo aparece-nos aqui como a figura pivotal em torno da qual se tece toda a trama complexa da sociedade e da moral do seu tempo, de toda a geografia europeia dos séculos XV e XVI. Erasmo é, sem dúvida, um dos grandes espíritos que a humanidade produziu na sua caminhada, e o que já se escreveu a seu respeito forma em si mesmo uma biblioteca vastíssima. Mas Ivan Lins consegue escrever o ainda não escrito, detendo-se com habilidade e precisão sobre as ideias, os hábitos, os costumes e as dilacerações do período abrangendo, reconstruindo um espírito que chega por vezes a surpreender-nos pela sua riqueza e capacidade de questionamento das certezas herdadas. O livro está acessível em diversos alfarrabistas, e também pode ser encomendado on-line.

OBITUÁRIO: Ray-Gude Mertin

Desde que, no início da semana passada, correu na internet a notícia da morte súbita da Ray-Gude Mertin, os escritores portugueses sentem-se subitamente orfãos. E não são só os portugueses: são todos os autores da diáspora lusófona que perderam sem aviso a sua fada madrinha. Em Outubro, na Feira de Frankfurt, ela estava ainda na maior, cheia de energia e transbordante de projectos. No Natal, trocámos as duas umas mensagens bem divertidas sobre o meu último romance, que ela já tinha em mãos, pronta para o assalto ao mercado. Consta que terá sido o regresso à superfície de um antigo episódio cancerígeno. Mas ninguém sabe ao certo. A Ray-Gude, com o seu cabelo loiro sempre cortado curto e os seus olhos azuis sempre atentos, parecia-nos eterna desde há décadas. Era alemã de origem e residência, mas tinha vivido vários anos no Brasil. Falava, lia e escrevia o português com grande fluência, e amava sinceramente a escrita portuguesa. Com o tempo, foi-se transformando na agente literária de todos nós. Conhecia-nos pelo nome, acompanhava-nos com frequência tanto nos momentos rápidos de triunfo como nas horas amargas das pequenas crises pessoais, lia os nossos livros todos e batalhava por eles no mundo com uma genica desconcertante. Para cada um de nós, convertia-se depressa numa amiga daquelas com quem se pode contar. Descobria-nos as editoras mais adequadas, os tradutores mais indicados, as linhas promocionais mais apropriadas, e ainda tinha tempo para nos dar a mão em alegrias de filhos ou desgostos de divórcios. Corria por nós o planeta inteiro, e para nós estava sempre disponível. Deixou-nos de repente. E todos ficámos sem mapa nem bússola, subitamente sozinhos.

sexta-feira, 5 de janeiro de 2007

AGENDA: Ciclo de Conferências sobre Ciências Documentais

A Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias, em colaboração com o Instituto Cervantes de Lisboa, vai realizar um Ciclo de Conferências sobre Ciências Documentais. As conferências serão proferidas em castelhano e terão lugar no Auditório da Biblioteca Victor de Sá da Universidade Lusófona, situada no Campo Grande, 380-B, Lisboa. A inscrição online pode ser feita aqui.

Programa

19 de Janeiro (sexta-feira): 14h30
Fundamentos dos Estudos Bibliométricos
por Mª Ángeles Zulueta García (Universidade de Alcalá, Madrid)

«A bibliometria é uma disciplina incluída no campo da documentação científica, que tem como objectivo a análise e avaliação da actividade científica mediante a aplicação de técnicas estatísticas aos diferentes elementos bibliográficos, contidos nos documentos científicos. Surgiu como resultado da curiosidade dos próprios investigadores para conhecerem o seu âmbito de trabalho mas hoje converteu-se numa ferramenta muito importante para a tomada de decisões em políticas científicas e para a gestão de bibliotecas especializadas.»

26 de Janeiro (sexta-feira): 14h30
A Biblioteconomia e a Documentação como objecto/s de Investigação
Esperanza Martínez Montalvo (Universidade de Alcalá, Madrid)

«O objectivo de nos familiarizarmos com o conhecimento da área da documentação de um ponto de vista científico, pressupõe uma grande complexidade, uma dificuldade que se manifesta desde as suas origens devido ao carácter multidisciplinar e ao aparecimento de numerosos contributos teóricos que a trataram a partir de perspectivas muito divergentes, dando lugar a definições muito díspares e à utilização de termos muito distintos para a designar. Penetrar no seu entendimento supõe reconhecê-la, não só como uma realidade que tem de ser analisada, medida e compreendida mas também como produto cultural que há que desenvolver e gerir, em constante processo de criação. É um saber que faz parte das características comuns da Ciência e que aplica métodos científicos para a recolha, classificação, ordenação e interpretação dos dados, por forma a chegar aos princípios e às causas mais gerais da actividade científico-informativa da qual se ocupa.»

9 de Fevereiro (sexta-feira): 14h30
A avaliação em Espanha dos Serviços de Informação e Documentação para uma integração no espaço Europeu
Ana Isabel Extremeño Placer (Universidade de Alcalá, Madrid)

«O desenvolvimento de sistemas de garantias de qualidade constitui uma prioridade do espaço Europeu de Educação Superior. Neles de incluem os processos de avaliação da qualidade dos serviços que prestam as Universidades Espanholas, entre os quais destacaremos, pela sua relevância na aprendizagem, docência e investigação, os serviços prestados pelos Centros de Informação e Documentação. A Agência Nacional de Avaliação da Qualidade e Acreditação (ANECA) será órgão responsável por cumprir esses objectivos seguindo as recomendações internacionais que são sustentadas pelo modelo EFQM, desenhado pela própria agência, para tal fim.»